segunda-feira, 22 de março de 2010

O despreparo do médico em lidar com a doença do médico.

Lembro-me de que, assim que entrei na faculdade de medicina, eu já era psicóloga.

O que mais me chamou atenção durante a graduação de medicina foi o fato da psicologia médica (uma das cadeiras a serem cursadas) e a psiquiatria serem motivo de chacota ou de uma ementa superficial, por vezes pejorativa, sem despertar interesses nos alunos.

Paradoxalmente, aquele aluno que é preparado para diagnosticar a doença alheia, vê o “doente” como uma entidade a parte.Os doentes são os outros.Médicos tratam os doentes.

Quem trata os médicos? O médico tem que marcar consulta.Ou se auto-medica.Ou nega que necessita de tratamento.É a dicotomia médico versus paciente. E quem é médico, não pode ser paciente?

A onipotência , a omissão pelo despreparo durante a formação em medicina ou o descaso podem ser motivos de colegas de profissão ignorarem quando um colega adoece.Explico: quem tem coragem de dizer ao colega ou ao conversar com aquele que lhe é mais próximo, que aquele colega médico precisa de ajuda, que ele não está bem? Alguém toma a iniciativa, tendo em conta que isso faz parte da percepção inerente a profissão médica? Não. As graduações de medicina não ensinam isso.

Hospital possui doentes.Existem estruturas hospitalares ou mesmo setores de um hospital que “adoecem” mais facilmente: por exemplo, profissionais que trabalham com pacientes terminais, oncologia infantil, UTI neonatal.

E o que é mais comum: estruturas hospitalares que visam desempenho, eficiência, ultrapassando limites humanos e estrangulando a subjetividade dos que neles trabalham.Em todos esses casos podemos constatar que os trabalhadores da área de saúde estão inseridos num sistema que foge aos ideais hipocráticos.

Medicina é um trabalho como qualquer outro.Está inserido no sistema mercadológico.Hospitais são empresas como quaisquer outras. A doença é demanda e a medicação é o produto final.Entretanto, tratamento exige cuidado.Só pode ser produto final se houver humanização de atendimento.

Essa demanada de cura, em busca de atendimento e receitas é uma mentalidade que está nos próprios pacientes.Consumo imediato, consulta rápida, cura instantânea.Ausência de sofrimento.

Estamos medicando problemas existenciais e angústias inerentes ao ser humano.Tudo é mercadoria.E com o ritmo veloz de nossas vidas faz com que exijamos a “cura” o mais depressa possível.Não se pode perder tempo.Só não há tempo para uma coisa: olhar para dentro de si mesmo.

Sim, os hospitais viraram indústrias, empresas.Dependendo do tipo de instituição, sua estrutura , suas condições materiais, humanas e gerenciais em diferentes departamentos, o importante é o produto final: pronto atendimento.Quantitativo.Médicos competem com médicos.Médicos esquecem que são médicos.Só não sabemos o que vem primeiro: o sistema que corrompe ou aqueles que já entram na faculdade de medicina em busca de um status, de um poder que, na realidade, é fictício.

Anjo Negro

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