quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A VITIMIZAÇÃO DO SOFRIMENTO




Pânico, depressão, ansiedade, fobia, stress. Alguns nomes largamente difundidos pelos meios de comunicação para o que Freud chamou mal-estar. Atualmente, nos chegam facilmente novidades produzidas pela ciência e difundidas pela rede mundial da Internet - terapias, remédios, livros de auto-ajuda. Sem contar as inúmeras opções que têm por objetivo eliminar todo e qualquer desconforto que possa ser experienciado pelo sujeito. Objetos que são elevados ao status de portadores da solução contra o mal-estar. Em contrapartida, o mesmo consumo exacerbado de bens e drogas que podem funcionar como alívio, também se apresentam como sofrimento.


O aumento da oferta desses produtos é fruto da cultura em que estamos inseridos, de exaltação do prazer a qualquer custo, em consonância com a lógica da sociedade de consumo, que incentiva a aquisição e o descarte de bens. Neste mesmo movimento, vemos o incremento da avaliação e dos protocolos como forma de universalizar e padronizar a partir da média, que acaba por excluir o que há de particular em cada sujeito.


Dessa maneira, o mal-estar e a idéia de um bem-estar absoluto contrastam diametralmente. Segundo a referência de nossa sociedade, devemos ser felizes e completos, extinguindo todos os fatores que causam desconforto e nos desviam da rota da plenitude.


Vê-se, atualmente, que há uma diminuição no interesse em se deixar questionar. Com a proliferação dos diagnósticos, que acabam funcionando como rótulos; ou com a oferta de livros de auto-ajuda, de programas de aconselhamento, ou do grande sucesso das psicoterapias, tudo pode ser justificado. O sujeito encontra-se cada vez mais acomodado numa posição de vítima ou de objeto, apenas aguardando o retorno da situação de prazer. Perde-se a dimensão de que cada sujeito é responsável por suas escolhas e que estas têm conseqüências.


Não haveria nenhum problema com o uso e o descarte de bens em prol da primazia do bem-estar se não fosse por um ponto: esse objeto escolhido pelo sujeito para tamponar a falta não sustenta essa função e o mal-estar sobrevém. O sofrimento retorna apesar de todas as tentativas de eliminá-lo por meio dos objetos.


Felicidade, Freud já nos havia alertado, é o que todos desejam. No entanto, acreditamos que uma saída para o sujeito é a de lidar com o seu sofrimento de maneira diferente, em vez de tentar eliminá-lo através de medidas paliativas. Essa é a proposta da psicanálise que, nesse panorama, trabalha com uma lógica diversa desta do alívio imediato e das soluções prontas.


A proposta da psicanálise no tratamento do mal-estar requer como condição uma abertura do sujeito à responsabilização por seu sofrimento.


Extraído de :PSICANÁLISE E LAÇO SOCIAL: BREVES CONSIDERAÇÕES. Marina Pereira Vieira e Vera Lopes Besset in :
www.polemica.uerj.br

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