sábado, 20 de fevereiro de 2010

BUSCAR ABRIGO NA CAIXA DE PANDORA: MEDO E INCERTEZA NA VIDA URBANA

Zygmunt Bauman

"Como falta conforto em nossa existência, acabamos por nos contentar com a segurança, ou a ficção de segurança".(...)

O terreno no qual presumivelmente nossas perspectivas de vida têm fundamento é evidentemente instável, assim como os trabalhos que realizamos e as empresas que oferecem esses trabalhos, nossos parceiros, nossa rede de amizades, a posição que ocupamos na sociedade mais ampla, assim como a autoestima e a confiança em nossas capacidades, que derivam dessa posição.


O "progresso" - antes manifestação extrema de otimismo radical e promessa de uma felicidade duradoura e universalmente compartilhada - resultou no contrário do que prometia. Hoje se formulam previsões apavorantes e fatalistas, e o progresso representa a ameaça de uma inexorável e inevitável mudança que não promete paz nem repouso, mas crises e tensões contínuas, sem um segundo de trégua, uma espécie de "jogo das cadeiras" no qual um segundo de distração pode levar à derrota irrevogável, à exclusão sem apelo. Em lugar de grandes expectativas e doces sonhos, a palavra progresso evoca uma insônia povoada de pesadelos: "ser deixado para trás", perder o trem, ser atirado para fora do veículo por um movimento brusco.

Incapazes de diminuir o ritmo alucinante e - mais ainda - de prever e controlar sua direção, nos concentramos naquilo que podemos, pensamos que podemos ou estamos certos de que podemos influenciar. Nós, pessoalmente, ou aqueles que no momento nos são mais próximos e caros, tentamos calcular e reduzir ao mínimo o risco de cairmos vítimas dos inúmeros e indefinidos perigos que a opacidade do mundo e seu futuro incerto nos reservam. Estamos totalmente empenhados em observar "os sete sintomas do câncer", "os cinco sinais de depressão", ou em exorcizar o espectro da pressão sanguínea e das altas taxas do colesterol, do estresse ou da obesidade.

Em outras palavras, perseguimos objetivos vicários, úteis para descarregar os excessos de um medo cujo desaguadouro natural está fechado e para encontrar algum objetivo improvisado, que consiste em tomar complexas precauções contra o fumo, a obesidade, o fast food, o sexo sem proteção ou a exposição aos raios solares. Aqueles que têm condições tentam se proteger contra o perigo - difuso, mas onipresente, visível ou invisível, manifesto ou pressentido, conhecido ou desconhecido. Entrincheiram-se atrás de muros, multiplicam as câmeras nas vias de acesso aos apartamentos, contratam guardas armados, compram carros blindados (como os famigerados SUV - Sport Utility Vehicle), usam roupas protegidas (como os tênis de skate com grossas solas vulcanizadas), ou recebem aulas de artes marciais.
 

"O problema" (...) é que essas atividades reforçam (e contribuem para a produção de) uma sensação de caos que nossas ações só fazem agravar". Cada fechadura suplementar na porta de entrada, em resposta aos insistentes alertas sobre desenfreados criminosos de aspecto estrangeiro, ou cada nova revisão da dieta, em resposta ao "pânico da comida", faz surgir um mundo mais desconfiado e medroso, e induz ações defensivas posteriores que - hélas - terão inevitavelmente o mesmo efeito. Nossos medos são capazes de se manter e se reforçar sozinhos. Já têm vida própria.
 
Fonte: BAUMAN, Zygmunt. 2009. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar.

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