segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O DOENTE MENTAL É VIOLENTO?



Ano passado um crime mexeu com a opinião dos campo-grandeneses: um procurador de Justiça matou o sobrinho a tiro. Preso, o advogado do assassino confesso conseguiu tirá-lo da cadeia e hoje ele cumpre pena num hospital porque sofre de doença mental, segundo atestou seus médicos. Já na semana passada, um advogado que atua há uma década como servidor federal foi detido duas vezes num só dia por tentar “agarrar, beijar e lamber” vendedoras de loja. E o motivo? Ele toma remédio controlado por enfrentar há pelo menos dois anos uma esquizofrenia tida como depressiva. Mas a doença ligada à mente tem a ver com violência, crime ou abuso? Para o médico psiquiatra Luis Salvador de Miranda Sá Júnior, 71, um dos renomados de Campo Grande, não. “Em tese, um doente psicótico pode representar uma ameaça, contudo, muito raramente é uma ameaça grave”, diz o médico, um dos fundadores do hospital psiquiátricos da Santa Casa, em 1966, o mais importante de Mato Grosso do Sul. Em entrevista ao Midiamax, na sexta-feira, doutor Salvador, como é mais conhecido, sem se aprofundar no caso do procurador ou do advogado, expôs sua ideia sobre a política de saúde que cuida de “pacientes psicóticos” que, segundo ele, é esquecida pelos governos. A entrevista.



Midiamax – Doutor, pacientes perturbados com doenças mentais geralmente são violentos?
Salvador – Os psicóticos não têm controle sobre o seu comportamento, pois não se dão conta do que se passa ao redor dele. Um doente psicótico pode achar que uma pessoa corrupta passando por ele representa uma ameaça. Eu não vou falar sobre o caso do advogado [o que tentou beijar a força as vendedoras], pois não vi, e se tivesse visto também não falaria pelo sigilo profissional. Em tese, um doente psicótico pode representar uma ameaça, muito raramente é uma ameaça grave. Recentemente uma psiquiatra foi agredida no posto de saúde porque demorou em atender a paciente, como se o médico fosse o responsável pela demora do atendimento. Todos nós sabemos que os postos de saúde nessa época estão cheios, pois é época de férias.

Midiamax – Mas o que pode ter acontecido com o advogado que foi em diversas lojas, no shopping, por exemplo, e tentou insistentemente em agarrar as vendedoras?
Salvador – No caso desse advogado, ele quis seduzir as moças a todo custo, então ele podia achar que todas as mulheres estavam apaixonadas por ele e que bastava ele dar confiança a uma mulher que ela vinha correndo para ele.

Midiamax – Mas por que razão tem a ver com a esquizofrenia?
Salvador – O que gera isso é, em primeiro lugar, uma falta de entendimento do que está acontecendo, ou, uma visão errada de si mesmo, um delírio autoscópico, [geralmente uma alucinação visual na qual o indivíduo enxerga a si mesmo, vê o seu corpo como se estivesse fora dele, contemplando-o]. É relativamente rara e ocorre na esquizofrenia e na epilepsia, digamos assim. Mas ele [paciente] pode ter uma ideia errada do outro também. Ele pode achar também que outra pessoa quer prejudicá-lo. Então eu digo para você que um doente psicótico pode representar um risco para a sociedade e só muito raramente esse risco é um risco grave.


Midiamax – O ataque às vendedoras, no entanto, é um sintoma da doença?
Salvador – Se ele fosse uma pessoa que desde jovem vivesse atacando as mulheres eu ia dizer que esse é um comportamento dele, agora, um sujeito que tem uma conduta respeitável, correta, de acordo com as normas da sociedade e de repente ele começa a fazer isso, você tem que suspeitar que alguma coisa está errada. [no caso, familiares do advogado disseram que o episódio vivido na semana foi o primeiro]

Midiamax – Qual é o sintoma da esquizofrenia?
Salvador – A esquizofrenia é uma doença mental grave que produz uma grave perturbação na capacidade de entender o que se passa ao redor dele e de se comportar de acordo com esse entendimento.

Midamax – O senhor poderia dar um exemplo de um paciente que surpreendeu a família ao apresentar o sintoma da doença?
Salvador – Tem um caso que eu me lembro de uma senhora que reclamou do comportamento do marido. Ela disse que o marido estava gravemente doente, pois um dia ela chegou a casa e o marido estava sentado na cadeira da cozinha conversando com a empregada. Aí o médico perguntou a mulher o que tinha demais naquilo, e a senhora disse que o marido estava sem paletó. “Sou casada com o meu marido há 20 anos e nunca o vi sem paletó fora do quarto e ele nunca dirigiu a palavra à empregada”. E realmente esse homem estava com um tumor frontal do tamanho de um limão. Aquela situação chamou a atenção da mulher dele e que só podia ter alguma coisa de errado.


Midiamax – Retomando o caso do advogado, ele pode apresentar reações violentas?
Salvador – Um paciente com os mesmos sintomas desse advogado não tem fúria nenhuma, tem um comportamento até amoroso, não é um comportamento furioso. Quando o comportamento é excessivamente destrutivo e o paciente não tem nenhum controle sobre ele, nós chamamos de furor na psiquiatria. E esse tipo de comportamento é muito raro. Eu talvez tenha visto uma dúzia de casos nos meus mais de 50 anos de profissão.


Midiamax – E como conter um ‘paciente furioso’?
Salvador – Pessoas com comportamentos assim devem ser contidos com meios possíveis. Nós temos em Mato Grosso do Sul uma das melhores equipes do Brasil em contenção no efetivo do Corpo de Bombeiros. Os policiais têm mais habilidade para lidar com bandido do que com doente. O Corpo de Bombeiro de nossa cidade é de uma rara capacidade para cuidar desses casos. A energia da contenção tem que ser um pouco maior do que a da agressão.

Midiamax – Geralmente o paciente é levado para o hospital, é exigido um cuidado médico especial?
Salvador – O grande problema é que muitos casos necessitam de hospitalização e o governo brasileiro resolveu que os doentes mentais não representam perigo e que não têm necessidade de hospitalização e reduzem os leitos. A população aumenta e os leitos continuam na mesma quantidade. Um doente perigoso tem que ser hospitalizado. Mas a esquizofrenia ou a doença mental não tem como sinônimo a violência, que fique claro isso. Tanto que em qualquer categoria social, se você levar em conta a proporcionalidade eu posso lhe dizer que há mais homicídios praticados por jornalistas, médicos e advogados do que por doente mental. Sem falar na polícia, é claro. Uma pessoa que não tem perturbação mental não é necessariamente uma pessoa violenta. Tem uma frase francesa que diz: “Na medicina e no amor não existe o sempre e nem o nunca”

Midiamax – Aqui em MS existem hospitais suficientes para cuidar de doenças mentais?
Salvador – Por enquanto nós estamos conseguindo manter a demanda de Campo Grande. Estamos conseguindo manter essa demanda por dois motivos: primeiro porque nós temos o sistema ambulatorial e a gestão intermediária entre a casa e o hospital que funciona razoavelmente bem acessível. O ambulatório da Santa Casa atende duas mil consultas por mês. Temos uma política de manter o doente internado pelo menor tempo possível.


Midiamax – Doença mental tem cura?
Salvador – O doente mental pode ter ou não cura, como qualquer outra. Em quase 100% dos casos, quando não cura, ela pode ser controlada. Tem doença mental de todo tipo: de consequência de envenenamento crônico, como acontece com essas pessoas que trabalham com defensivos agrícolas. Na região de Sidrolândia, Maracajú, Eldorado, é mais comum, tem muito caso desse tipo. Existem problemas mentais causados por problemas de nascimento, um parto mal conduzido, demorado, ou até mesmo uma cesariana feita às pressas. E também pode ser hereditária. A doença não é herdada, mas existe um componente que pode se desenvolver durante a vida.


Midiamax – Doutor, retomando a questão da violência, a prática da violência tem a ver com o caráter do paciente?
Salvador – A violência tem a ver com a índole e o caráter da pessoa.


Midiamax – Doutor, Adolf Hitler, acusado por exterminar milhões de judeus era um doente mental?
Salvador – Ele tinha sífilis cerebral [pacientes com idéias delirantes de grandeza, de riqueza, de poder, de força etc. (megalomania)] e tomava injeção de arsênico e era absolutamente cruel e completamente fanatizado e acreditava nas coisas mais absurdas e o grande problema é que ele queria convencer o mundo de que ele estava correto. Hoje a ciência já mostrou que quanto maior a mistura racial de uma pessoa, mais potencial ela tem. O que a ciência provou após Hitler é que as teses nazistas estavam completamente erradas. Hitler não foi considerado esquizofrênico, ele era psicopata.


Midiamax – Psicopata?
Salvador – Psicopata é uma pessoa que nasce com defeito de caráter que impede de amar qualquer coisa senão a si mesmo. Ele não é capaz de gostar de ninguém, só de si mesmo. Então para satisfazer uma pequena necessidade dele, ele é capaz de até matar. Em determinada situação você perde o controle do comportamento. Uma coisa que existe muito entre nós, é que nós somos uma cultura muito recentemente urbanizada.


Midiamax – Disse cultura urbanizada?
Salvador – Eu cheguei a Campo Grande em 1966 e Campo Grande tinha 90 mil habitantes. Em questão a violência, ao estresse nos dias atuais, a tendência é piorar. Há um completo desamor entre as pessoas. A nossa cultura imediatista de característica capitalista selvagem que nós vivemos, a tendência é piorar. Antigamente uma pessoa de reputação é quem tinha respeito, hoje em dia é quem tem dinheiro, não importa se foi adquirido honestamente. A corrupção é assim, ela se espalha como uma mancha de óleo. E não tem corrupção de um aspecto só na vida social. O sujeito que rouba acha que tem direito de matar. O sujeito que suborna se deixará subornar. É um ciclo vicioso e a tendência é piorar. Antigamente, se você parasse na estrada, abrisse o porta-malas, todo mundo parava para ajudar, hoje em dia as pessoas não param com medo de serem assaltadas. Estamos vivendo em um mundo em que a confiança e a amizade deixaram de existir.


Midiamax – No sistema prisional...
Salvador – O sistema prisional é como uma má universidade pra aperfeiçoar criminoso. A impressão que se tem é que são postos lá para se transformarem em criminosos. Em minha opinião o preso tem que trabalhar para pelo menos pagar pelo que ele gasta. Como é em São Paulo, quem não trabalha não come. Nem o nosso sistema educacional é capaz de assegurar isso para nossas crianças, imagina para o preso. Por exemplo: se você bate seu carro no poste você deve juntar dinheiro para comprar outro. Se o preso coloca fogo no colchão que ele dorme, no mesmo dia ele já tem outro novo.


Midiamax – É fácil distinguir um condenado, se ele é psicopata ou não?
Salvador – Hoje já existem recursos técnicos capazes de distinguir o preso psicopata do não psicopata. A preocupação da legislação no Brasil é fazer o preso sair o mais depressa da cadeia e não de reabilitação. Não importa que o sujeito tenha sido condenado a 30 anos de cadeia. Ninguém cumpre 30 anos de cadeia. Só dois países antes do Brasil que investem menos dinheiro com a saúde: Bolívia e Haiti.

Midiamax – Algumas correntes de autoridades que lidam com a saúde no sistema prisional acham que os governos deviam construir mais manicômios, o que acha?
Salvador – Não temos e nem devemos ter. A palavra manicômio vem do latim mani: doente mental; cômio: hospital. O que se chamava de manicômio antigamente era o que se deixava o doente encarcerado sem tratamento e isolado da sociedade, eu sou contra. Agora tem outra concepção que é o hospital especializado, onde ficam os doentes mentais condenados ou presos condenados. Esse eu também sou contra. Existe um manicômio credenciado no Brasil que consegue funcionar com decência do ponto de vista médico que fica em Alagoas. Para se ter um hospital psiquiátrico aberto é preciso ter de 3 a 4 psiquiatras para cada paciente.


Midiamax – Isso não tem por aqui?
Salvador – A Santa Casa está muito longe disso. O hospital da Santa Casa é o primeiro serviço fora do Hospital Universitário e o quinto do Brasil.

Midiamax – Como o senhor avaliaria a assistência psiquiátrica em MS?
Salvador – A assistência psiquiátrica como qualquer outro aspecto da assistência médica deve ser tratada com seriedade, nós temos muita sorte aqui em Mato Grosso do Sul, porque tanto pela prestação de serviço da prefeitura quanto pelo do Estado tem se esforçado para manter um nível de seriedade, mas a política Nacional de Saúde mental é uma mentira, é uma forma de enganar o povo. O doente drogado não deve ser misturado com o doente psicopata

Nota: Campo Grande é uma cidade localizada na região centro-este de Mato Grosso do Sul, Brasil.
Midiamax é um jornal eletrônico de Mato Grosso do Sul (MS): http://www.midiamax.com/

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente respostas à perguntas interessantes! Gostei. Aprendi!

Irma

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