sábado, 12 de dezembro de 2009

A fragilidade das relações humanas na pós-modernidade


O texto , de Renato Gomes Bittencourt, aborda as teorias de Erich Fromm e de Zygmunt Bauman.

Um problema que atinge, em maior ou menor dimensão, nossa vida cotidiana.Vale ler e refletir sobre este artigo, onde coloquei apenas alguns trechos.


Ao final, menciono a fonte bibliográfica com o artigo na íntegra.


O autor reflete sobre diagnóstico apresentado por esses dois pensadores acerca da condição humana na era técnica da informatização que cada vez mais altera o ritmo dos processos vitais de nossa atual ordem social.


Expõe a contínua alienação das qualidades intrínsecas impostas pela sociedade de consumo e pelo efeito nocivo gerado pela moda na subjetividade individual, submetida, em geral, às regras da necessidade de aceitação social na vida coletiva.

Erich Fromm pensa a história da sociedade ocidental mediante o conflito entre “Ser” e “Ter”, ou seja, entre o princípio de qualidade existencial e o princípio quantitativo que norteia o desejo humano por riqueza e controle total sobre as condições materiais de sua existência; Bauman, por sua vez, desenvolve o conceito de “liquidez humana”, situação que se manifesta indubitavelmente nos diversos âmbitos de nosso fracassado projeto civilizatório, em decorrência da transformação do ser humano, singular, em objeto de consumo, descartável, situação, portanto, que se manifesta mesmo nas relações interpessoais cotidianas.


A partir do pensamento de Erich Fromm poderíamos talvez considerar a história da humanidade como o embate simbólico entre o “Ser” e o “Ter”. Podemos compreender pela disposição “Ser” uma abertura qualitativa em relação ao real, numa abertura pessoal em favor da compreensão da diferença e da singularidade de cada pessoa, havendo então a respeitabilidade e a abertura amorosa diante da pluralidade de indivíduos e da própria natureza circundante.(...)


A disposição “Ter”,por sua vez, representa a avidez humana pela posse material, o desejo de usufruir ao máximo uma dada coisa, para então se trocá-la por outra mais atrativa; tanto pior, até mesmo os seres humanos são inseridos nessa dinâmica cruel, que, na sociedade do vazio existencial, transforma a pessoa, absolutamente singular, numa coisa destinada ao consumo simbólico. Conforme destacado por Erich Fromm, no modo “Ter” da existência o relacionamento do eu com o mundo é de pertença e posse, em que quero que tudo e todos, inclusive eu mesmo, sejam minha propriedade.(...)

Em nossa sociedade tecnocrática, “Ter” se tornou uma disposição hegemônica, comandando as nossas ações e valores através do postulado de que uma pessoa pode ser avaliada por aquilo que ela possui e não por aquilo que ela “é”, isto é, por suas qualidades singulares. Nessa dinâmica de dissolução da dignidade humana, “a pessoa não se preocupa com sua vida e felicidade, mas em tornar-se vendável”, diz Erich Fromm . Dessa maneira, as relações pessoais adquirem o estatuto de bens negociáveis, onde para tudo há um preço.

(...)o consumo se torna consumismo, prática decorrente do vazio existencial do ser humano que, para fugir de sua própria fragmentação pessoal, entorpece o seu psiquismo com o ato de obter bens materiais.

Zygmunt Bauman(...) utiliza a idéia de “liquidez”, que representa a dissolução dos valores progressistas da filosofia iluminista na sua crença incondicional no poder libertário da razão, cuja aplicação técnica no âmbito civilizatório permitiria ao homem alcançar a tão almejada felicidade. No ápice da “era da liquidez”, o ser humano se despersonaliza e adquire o estatuto de coisa a ser consumida, para em seguida descartada por outrem, quando esta figura se enfada do uso continuado do objeto “homem”, facilmente reposto por modelos similares(...).

Esse processo de despersonalização do indivíduo, imerso no oceano da indiferença existencial, é a característica por excelência da idéia de “vida líquida” problematizada por Bauman,uma vida precária, em condições de incerteza constante (...)

(...)A “moralidade líquida” optou pela segunda possibilidade, fazendo sempre da figura do outro um estranho que só adquire importância quando se presta a satisfazer os nossos objetivos egoístas. No contexto da vivência líquida, amar se caracteriza sempre como um ato arriscado, perigoso, pois não conhecemos de antemão o resultado final das nossas experiências afetivas.

(...)Por temermos a intimidade com o “outro”, preferimos então abrir mão das relações amorosas concretas para adentramos na dimensão das relações virtuais. Conforme diz Bauman acerca dessa dinâmica afetiva, “é preciso diluir as relações para que possamos consumi-las” (...).


A infame vantagem da prática amorosa mediatizada pela tela de computador é que evitamos assim a intimidade indesejável com a presença do parceiro. Os relacionamentos virtuais são assépticos e descartáveis, e não exigem o compromisso efetivo de nenhuma das partes pretensamente envolvidas. Bauman define tanto as “práticas amorosas” virtuais como os relacionamentos afetivos marcados pelo gosto. (...)

pela efemeridade pelo termo “relacionamento de bolso”, pois podemos dispor deles quando necessário e depois tornar a guardá-los (...)


Tememos a proximidade do “Outro”, pois este, na visão distorcida que dele fazemos, traz sempre consigo uma sombra ameaçadora, capaz de desestabilizar o frágil suporte de nossa organização familiar, de nossa atividade profissional e de nossa sociedade como um todo. Sendo o “Outro” proclamado como o verdadeiro culpado por todo infortúnio da vida corriqueira, tudo aquilo que é feito para minar a sua dita influência maléfica sobre nós se torna válido. O caráter agravante de tal situação é que muitas vezes colocamos o “outro” em situações vexatórias ou em condições vitais degradantes, e ainda por cima esperamos dele respostas positivas (...)


(...)Para concluir, é de grande importância destacar que Erich Fromm e Zygmunt Bauman, apesar de incisivos na análise profunda do mal-estar existencial de nossa fragmentada sociedade pós-moderna, acreditam na possibilidade da humanidade contemporânea superar os efeitos deletérios da fragilidade de valores da era atual, mediante a valorização da qualidade intrínseca de cada pessoa, independentemente das circunstâncias externas da moda e do consumismo, que movimentam a lógica comercial da nossa civilização materialista. Para tanto, é imprescindível que haja esforços efetivos para a formulação de uma nova compreensão ética do indivíduo em relação ao meio ambiente em que ele vive, perspectiva valorativa pautada pelo respeito rigoroso pela alteridade e pelo cuidado consciente pelos bens naturais que usufruímos no cotidiano, como modo de mantermos as nossas condições existenciais em razoável estabilidade.

Renato Gomes Bittencourt in: REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO N.100 SETEMBRO DE 2009

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